(Será que você tem um tempo para oferecer a esse texto? Levando em consideração o tempo que gastei para digitá-lo, se não tiver agora, e estiver muito apressado com os seu afazeres, meu caro leitor, eu peço, gentilmente, que feche esta janela, e retorne quando puder, com uma dose de minutinhos especiais. Caso esteja disposto a fazer uma leitura e a mergulhar inteiramente nela, sinta-se mais do que bem-vindo a um mundo muito íntimo - este que, desde já, se descortina à você. Vamos lá.)
Era noite nublada, super abafada
e eu observava meus pais chegarem a casa. Cansados do dia intenso de trabalho,
ainda mais, era segunda feira, o dia em que o gostinho suave do final de semana
definitivamente acaba e o ânimo passa longe. Tirando a feira do carro, sacolas
e mais sacolas pesadas pra carregar. Contas a pagar. Três filhos, escola das
crianças, a luz, a água, a secretária, as babás, a aula de jazz, de piano, de inglês e a natação,
eram apenas alguns dos compromissos e das preocupações implícitas. Não sei por
que eu, tão nova, percebia. Isso não era dito em palavras. E eu ficava pensando
que queria ser adulta um dia, pela liberdade que poderia ter, pelas viagens internacionais que
poderia fazer e que só via, babando sozinha, na TV. Por outro lado, desejava ser criança eternamente devido ao medo
terrível das contas a pagar. Eu pensava, diariamente, no quão assustador devia ser
ter um monte de contas mensais. E essas contas que não param, nunca, de chegar?
Que compromisso. Que peso, absurdamente maior que o de todas aquelas sacolas da
feira. Mas continuava a ser criança, brincava na rua com a garotada, e, eventualmente,
tomava banho na chuva. Corria de um lado para outro, adorava brincar de
bandeirinha e baleado. Tinha até um amigo chamado “Cainha” quem eu sempre
queria no time, pois ele corria muito e os que ficavam na equipe dele sempre
ganhavam. A disputa por ele era a mais certa do jogo! Cidade pequena, passeio na
roça, cheirinho de terra molhada, grama e flores na estrada. Lá era quase o céu, com direito a banho na represa, na cachoeirinha, a dar comida aos peixes, a montar cavalos, a ver bois, a tirar leite do peito de
vaca, a acariciar ovelhas, a jogar milho pra as galinhas, a ver as estripulias dos gatos
e a sentir a lambida carinhosa dos cachorros. Ah os cães, minha paixão maior. A
infância dos sonhos. Mas no fundo, eu ainda tinha medo, muito medo de crescer,
medo do futuro.
Cresci mais um pouco, virei adolescente.
Tinha medo de ter um namorado. Tinha medo de gostar de alguém, de estar
vulnerável, de envolver-me. Fui a última das minhas amigas a beijar na boca. Tive
meu primeiro namorado. Tinha medo de acabar, de frustrar-me, de, dolorosamente,
machucar-me. Vivi, ainda que com medo. Acabou. Tive o segundo, e os medos
continuaram. Mas vivi também. Tive o terceiro, aproveitei com intensidade e os
medos aumentaram. Chegou ao fim e sobrevivi. E sentia saudades da infância.
Doce infância.
Tive medo de entrar na faculdade,
de ter dificuldades, medo das novidades, dos trabalhos, da cobrança acadêmica, dos
professores universitários. Mas comecei. Tive medo do final de semestre, das
provas em séries, do estresse. Tive medo dos estágios. Medo de não
me sair bem na primeira experiência, de não saber fazer, de não saber atender,
de ter um olhar de reprovação do meu supervisor, apesar do ótimo relacionamento
que tínhamos, sem contar que ele era muito amável, e excelente profissional.
Tive êxito nos meus estágios básicos. Agora chegou o estágio
profissionalizante, último ano de faculdade, atendimento individual, numa sala
fechada. Na clínica, apenas eu, no papel de psicóloga e o paciente em minha
frente, sentado na poltrona. Só nós. Sem a minha expert e
rígida supervisora por perto, sem livros pra consultar, sem direito a dúvida
pra poder tirar, sem papel pra anotar, só a mente pra trabalhar. Frio na
barriga. Dor de barriga. Suando frio. Coração acelerado, e sorriso no rosto,
passando a maior serenidade possível. Um atendimento, e depois outro, e depois
outro. “Atenção flutuante”, como chamávamos. Detalhes pra captar. Olhos vivos. Ouvidos alertas,
saber a hora de intervir e de calar. Saber manter o silêncio, por mais que aquilo incomodasse até o último fio do cabeço, no início. Sempre demonstrando segurança. Mas
apaixonei-me e apesar do cansaço, foi fantástico. Ainda tinha o trabalho de
conclusão de curso, que deixava meu coração quase saindo pela boca. Noites
perdidas, chorei de sono, sem poder descansar. Entretanto passei por tudo isso,
estudei, estudei, estudei, dedicação integral e consegui, com louvor.
Hoje estou aqui, estudando pra
concurso, com saudade da época da faculdade, e com medo de não passar, com medo
de demorar, com medo de demasiadamente longe morar, com medo de não saber como
será, e por vezes, com medo de desmoronar. Ainda passa por minha cabeça o
sonhado intercâmbio que até hoje não tive oportunidade de fazer. E seu eu não
fizer por agora, quando é que irei fazer? O sonho não morreu. Ansiosa. Sempre
fui! Psicóloga também tem ansiedade, meu querido leitor. Incertezas, o que há de mais certo no momento
atual. E então parei pra observar que eu sempre achava “na próxima etapa vai
ser melhor”, apesar de todo o medo. E acabou de cair a ficha. Essencial. Eu
sempre terei próximas etapas, próximos obstáculos, próximos desafios, próximas
dúvidas, próximas escolhas, próximos medos. Isso não é coisa de criança, nem de
adolescente, nem de jovem. Fantasias constantemente estão presentes. É coisa de
gente, e a única certeza que me resta é que devo aproveitar o dia de hoje. Eu
sempre fiquei na saudade da época anterior. E quando estava lá, sentia medo. Parece
simples, teórico, óbvio não é? Queria
que fosse só isso.
Hoje já não tenho medo das contas, pois sei da
minha capacidade pra organizar-me, e consumir o que posso. Já não tenho mais
medo de professores, nem de ser reprovada pelas pessoas. Por qualquer pessoa que seja. Já não tenho mais medo de namorar, e acabar,
pois entendo que os ciclos fazem parte da trajetória. Já não tenho medo de
engravidar na adolescência nem de perder a minha vida afogando-me nas drogas.
(Acho que de tanto ouvir histórias tristes nesse sentido, eu morria de medo)! Já não tenho medo de me impor e dizer que
penso diferente em uma situação ou outra. Tenho plena convicção de que posso
ser feliz estando solteira, e me divertir muito (mesmo sem pegação). Sei que em
algum momento posso novamente encontrar alguém quem me faça suspirar e desejar,
ardentemente, viver uma história que
valha a pena, um amor apaixonante de tirar o fôlego, e os pés do chão, do jeito
que eu gosto, ainda que agora eu não
esteja em busca disso. Posso ser surpreendida sim. E a cada instante, é uma
descoberta. Será que não é a hora de viver o que há? Experimentar, saborear,
mergulhar. Se não der certo, não deu. E qual o problema? Amanhã há oportunidade
pra tentar. Nova porta pra entrar, nova estrada pra trilhar. Perder o dia de
hoje com medo e angústia pelo amanhã, perder o amanhã com uma saudade terrível do
dia de hoje, talvez seja passar uma vida inteira vivendo pela metade. Perdendo o sono, declinando a saúde. E eu não
quero isso. Nunca quis. Acredito que muitas vezes não percebi esse meu formato
diário. Amanhã vai ser o medo do
casamento acabar? De filhos não querer conceber? Das crianças não saber criar?
Dos pais que vão morrer? Do futuro que não consigo ver? Da festa de 15 anos da
filha que irei ter? Do príncipe dela não aparecer? Do seu namorado não
amadurecer? Do curso universitário que ela vai escolher? Dos netos gêmeos que
vão nascer? Dos amigos que não terei a
oportunidade de conviver? Dos dias que passarei sem colocar os pintinhos
debaixo das asas? Dos poucos anos que restam pra viver? Do bisnetos que talvez não consiga ver
nascer? Da festa de 110 anos que é provável que não tenha forças pra fazer com
minhas próprias mãos, detalhe por detalhe? Do medo de adoecer, não poder
bailar, ficar limitada e morrer?
O que vai acontecer? Sinceramente
eu não sei. Nunca soube ontem, nem antes de ontem, nem quando era adolescente,
nem quando era criança. O que eu sei mesmo é que estou disposta a deixar o medo
pra lá, simplesmente caminhar. Se eu tropeçar, passo a dançar. Se eu cair, vou
levantar. Se eu tiver receio, correrei pros meus amigos. Se eu tiver dificuldades,
procurarei quem possa me ajudar a desembaraçá-las. E eu sei que terei tudo
isso. O temor e o abrigo. O abraço
quentinho que dá toda segurança e revigora meu ser. Se eu desistir, não há nada
que qualquer pessoa possa fazer. Todavia, se eu continuar, esforçar-me, como
sempre fiz, e perseverar, haverá algumas raras flores delicadas no caminho, com
cores surreais, apesar dos espinhos fininhos. Um sol brando apesar da chuva
forte, a coragem sobrepondo qualquer medo, a vida gritando mais alto que a
morte. Vou lembrar que a cada primavera que eu completar, também terei o verão
pra ficar bronzeada, tomar banho de mar, mergulhar e ficar toda boba por sentir o peso da água em meu cabelo, e ele ainda maior, batendo quase no quadril. Terei o outono pra frutificar e super orgulhosa com os doces e vistosos produtos. E ainda, o inverno
para encher-me de casaco, calças, meias grossas, nos dias gélidos. Por vezes, hibernar no
quarto e permanecer debaixo da coberta até a temperatura aumentar. E se eu
cansar? A palavra de ordem é recomeçar. Estufar
o peito, inspirar com a alma, abrir as asas, virar águia e experimentar voar, aprendendo
o segredo e os risos guardados no renovar... Por que agora, só agora eu
desvendei o mistério: Sem tanta padronização, adivinhação, critério ou formato
prévio, a vida é um terno aprendizado de como reinventar.
Indyara Ribeiro.
Mas que longo repertório, o seu!
ResponderExcluirdepois de por tudo isso ter passado
com tanta imaginação o escreveu
a lê-lo demorei um bom bocado.
Se tudo isso valeu a pena,
de nada estará arrependida
porque quando era pequena
queria ser menina crescida.
Por bem assim escrever,
merece por mim ser louvada
menina continuará a ser
uma flor perfumada
para quem a puder colher
uma rosa desabrochada!
Boa terça-feira, um beijo.
Eduardo.
«Se eu tropeçar, passo a dançar. Se eu cair, vou levantar.», fantástico!
ResponderExcluirr: Muito obrigada *.*
Exatamente, não podemos controlar o que as outras pessoas sentem, por isso, termos alguém que não goste de nós é perfeitamente natural. Isso não nos pode é deitar a baixo.
Desejo-te o mesmo, de coração. Oh, tão querida :)
Um grande beijinho*
Tal como muitos outros temas passíveis de discussão, a educação é aquele com o qual nos cruzamos a toda a hora no nosso dia a dia
ResponderExcluirr: Muito obrigada!
ResponderExcluirSim, é isso mesmo, é uma ótima forma de nos sentirmos livres e mais leves
É tão bom ler isso *.*
Obrigada por toda a simpatia, beijinhos*
As vezes é nos medos que descobrimos como somos fortes e corajosos, alguns dizem que os medo faz heróis, enfrentar medos talvez seja o combustível que nos faz ir em frente, amadurecendo em cada amanhecer. Talvez não haja fórmulas para não ter medos, mas lutar é a melhor maneira de vencê-los. Um desabafo e uma lição para todos nós...muito bom, amiga!
ResponderExcluirGhost e Bindi
Olá,Bom dia,Indyara
ResponderExcluir...cada fase da vida tem seus medos específicos -medo de crescer, medo do futuro etc- já que, antes de mais nada, é uma mudança,e como podemos perceber em seu belo texto, houve a possibilidade de ultrapassar todos os temores e medos , na grande capacidade que tem o ser humano de se reinventar, adaptar, vencer... e as experiências boas- ou ruins de cada fase , pois nem tudo são sempre flores , desenvolvem e estruturam nosso comportamento para as próximas -fases da vida. Não podemos deixar que as preocupações e medos nos paralisem ou seja,podemos caminhar com, mas temos que caminhar apesar -do medo.Pois a única certeza que temos é que certezas o futuro nunca vai nos dar. Por isso ,como dizem os filósofos e poetas, pensem no passado , planejam o futuro e viva o instante presente simplesmente porque é a única real...
Muito Obrigado pelo carinho da participação em meu blog,belos dias,beijos!
E não é o medo a grande razão de todos nós ficarmos felizes e nos sentirmos realizados após cada conquista? Cada etapada da vida ultrapassada, dá um gostinho bom. "Afinal de que tinha eu medo?" Por vezes pensamos. Saudades de ser criança? Eu tenho muitas. Especialmente por não ter que me preocupar tanto assim pois nada podería fazer para mudar a minha vida: sejam contas, seja um pai ausente ou uma família desiquilibrada. É bom crescer, é bom nos sentirmos mais fortes e realizados a cada dia que passa. Compreendo tudinho e me deu uma grande vontade de saltar para esse lado do Atlântico e te abraçar.
ResponderExcluirUm grande beijo, minha querida.
Continue crescendo. Os medos fazem parte, mas nós é que decidimos se os guardaremos na gaveta ou abriremos a janela para os deixar voar.
♥